HISTÓRIA E LENDA DE "SANTA MARINHA"



Santa Marinha, Virgem e Mártir



18 de Julho

Nenhum documento existe com valor histórico sobre a vida desta santa. O Martirológio Romano faz comemoração dela neste dia, dizendo que foi martirizada na Galiza. Os Bolandistas dizem que foi martirizada junto de Orense.

Reproduzimos o que em 1722 publicou O monge beneditino de Pombeiro, Fr. Bento da Ascensão, publicou em 1722 uma das mais interessantes criações da imaginação popular sobre hagiografia (1). Refere-se ele ao nascimento e vida de nove irmãs, uma das quais era Marinha.

“Dum só parto, dominada pela superstição, ou pelos prejuízos terríveis daqueles tempos, concebeu um projecto, que só as fúrias infernais a quem adorava, lho podiam inspirar; por isso que causa horror até às mesmas feras. Para se subtrair às sátiras do mundo e à indignação de seu marido, Cálcia concebe a infernal resolução de mandar afogar as meninas, sem exceptuar nenhuma. Comunica o seu execrando projecto à única pessoa que lhe tinha assistido ao parto, a Cita, devota donzela e cristã oculta, e, depois de a obrigar a guardar o mais rigoroso segredo, ordena-lhe que faça primeiro divulgar a notícia, de que ela tivera infeliz sucesso no parto, e que, depois da família estar recolhida, aproveitando-se do escuro da noite, saísse do paço e fosse mergulhar as nove meninas, num dos poços do rio Este que corre nos Pelos anos da era de Cristo, 120, nasceu Santa Quitéria na cidade de Braga. Seu pai Lúcio Gaio Atílio Severo, era Régulo duma das muitas províncias, em que nesse tempo estava dividido o Império Romano, a qual se compunha de parte da antiga Lusitânia e de parte da Galiza. Residia este na cidade de Braga. Era casado com D. Cálcia Lúcia, ambos de famílias muito ilustres, porém idólatras e gentios. O Altíssimo, por um milagre da sua providência, permitiu que Cálcia, depois de ser estéril por muitos anos, concebesse e trouxesse reclusas no seu ventre nove meninas contra a ordem comum dos partos. Completos os nove meses, Cálcia, na ocasião em que seu marido estava ausente, fazendo corte ao Imperador Adriano, que andava viajando pela península, deu á luz as nove meninas, que nasceram tão perfeitas como esposas que haviam de ser do Cordeiro Imaculado. Vendo-se Cálcia mãe de nove filhas, dadas à luz subúrbios de Braga. Querendo pois, e determinando a desumana mãe que morressem as inocentes filhas, o misericordioso Deus, que pela sua grande clemência costuma muitas vezes, de grandes males tirar grandes bens, inspirou no coração da virtuosa Cita o desejo de salvar a vida do corpo e dar a vida às almas de tão belas e formosas meninas, e tendo oportunidade para pôr em execução seu piedoso intento, ajudada da Divina Providência foi levar as meninas a Santo Ovídio, Arcebispo de Braga, o qual, administrando-lhes o Sacramento do Baptismo, lhes pôs os nomes seguintes: Genebra, Vitória, Eufémia, Marinha, Marciana, Germana, Bazília, Quitéria e Liberata. Depois que as santas meninas foram regeneradas na sagrada fonte do Baptismo, a compassiva Cita procurou nos arrabaldes de Braga amas cristãs para as criarem e educarem na lei e religião de Cristo, incumbindo-se o Santo Arcebispo de satisfazer toda a despesa. Cada uma destas amas procurava em religiosa emulação cumprir com os seus deveres tanto pelo que respeitava ao alimento do corpo, como ao desenvolvimento do espírito. A religiosa educação que as nove meninas receberam na sua infância, produziu um tão grande domínio nos seus corações, que em todo o decurso da vida, e até ao fim dela sempre puseram em prática as santas virtudes, e calcaram aos pés as grandezas e vaidades do mundo, só com o fim de lucrarem a Jesus Cristo. A sua vida virtuosa e quase angélica era admirada nos subúrbios de Braga, e por todos os arredores se falava das raras virtudes e singular perfeição das nove meninas. Chegando ao conhecimento destas angélicas meninas o perigo a que tinham estado expostas, quem eram, e qual fora o seu admirável nascimento e a bárbara determinação de sua ímpia mãe, de entregá-las à morte em tempo que apenas entravam na vida, e do modo como Deus, pela sua Divina Providência, as livrara da morte, não só do corpo mas também da alma, por meio do sagrado Baptismo; em agradecimento de tão grandes benefícios, resolveram estas gloriosas virgens, estas santas irmãs, deixar de todo o mundo e habitar juntas na mesma casa, como em clausura, para assim melhor servirem e agradarem a Deus, resistirem com maior fortaleza aos seus inimigos, e crescerem mais na virtude e na castidade com os exemplos umas das outras. Obtida a aprovação e o consentimento do Santo Arcebispo Ovídio, a quem respeitavam e obedeciam, como seu mestre, director e pai, viveram alguns anos, estas amantes esposas de Jesus Cristo, nos arrabaldes da cidade de Braga, recolhidas na sua casa, como num convento, entregando-se ao exercício de todas as virtudes, sendo vida de cada uma um raro espelho de santidade, para todos os cristãos daquela terra, não se falando, por todos aqueles arredores, em outra coisa, senão na santa vida, que aquelas tenras e delicadas donzelas passavam naquele retiro. Todos se admiravam de que entre tanta formosura, prudência e outros dons da natureza houvesse tanta virtude, tanto recolhimento, resguardo e cautela. Abrasadas estas santas meninas no fogo do amor divino, cada qual por si, e umas na presença das outras, fizeram todas voto de castidade, con sagrando a sua virginal pureza àquele soberano Senhor, que as fizera nascer dum tão milagroso parto, e depois de nascidas as livrara da morte, que sua mãe lhes mandara dar, criando-as e sustentando-as até ali, com providência tão particular. Fechando pois os olhos ao mundo, e empregando-os só no seu Divino Esposo, lhe sacrificaram as suas almas e juntamente com elas os seus corpos, vivendo, naquela tenra idade, estas esposas de Jesus Cristo, santas nos costumes, puras nos corpos e abrasadas nas almas com as chamas da caridade, e com o fogo do Amor Divino. Esta foi a criação e a virtuosa vida destas nove irmãs, nos arrabaldes de Braga, onde viveram nove ou dez anos, e com tanta perfeição, como se já estivessem no céu, imitando os anjos na pureza, os querubins no fervor e os serafins no amor, e finalmente todas cheias de fervorosos desejos de passarem a gozar da presença do seu Divino Esposo, por meio da ilustre palma do martírio, e para o conseguirem dirigiam ao céu fervorosas súplicas. Estas foram atendidas e os seus desejos satisfeitos. Foi por esta ocasião, que se levantou urna cruel e terrível perseguição renovando-se o cruel edito já principiado por Nero, cujo fim era extinguir totalmente do mundo o adorável nome de Jesus Cristo em Braga, e mais terras sujeitas ao Império Romano, se publicou solenemente, mandando-se nele com pena de morte, que se adorassem os ídolos e se extinguisse o Cristianismo. Logo que este decreto chegou às mãos do Régulo de Braga, mandou-o publicar em todas as cidades do seu domínio, enviando ministros para diferentes terras, com ordens terminante para obrigarem os fieis a adorarem os falsos ídolos, e quando ele não quisessem, fossem conduzidos à sua presença, para lhes serem aplicados os castigos. Espalhando-se os infernais ministros da justiça pelos arrabaldes e becos de Braga se dirigiam à casa onde viviam as nove irmãs, e encontrando esta santa comunidade de virgens, certificados de que elas eram cristãs, as levaram presas à presença do Régulo Bracarense que então estava na antiga cidade de Tide, situada na margem esquerda do Rio Minho, a pequena distância da praça de Valença. Com muita alegria caminhavam as santas meninas ansiosas por serem apresentadas no tribunal, para serem julgadas e sentenciadas pelo Régulo, seu pai. Este, apesar de ainda as não reconhecer como suas filhas, ficou logo muito impressionado com a modéstia, humildade e rara formosura das nove donzelas, e tratando-as com brandura e afabilidade lhes fez diferentes perguntas relativas à sua pátria, país e religião que professavam e se estavam resolvidas a dar comprimento ao que mandavam os Imperadores, adorando os deuses imortais, conservadores do seu império. Santa Genebra tomou a palavra e respondeu em nome do todas: A nossa pátria, senhor, é a cidade de Braga; se desejais saber donde descendemos, podeis acreditar que nas nossas veias circula o sangue da principal nobreza desta província; pois que todas somos tuas filhas e de CáIcia tua consorte. Enquanto à religião que professamos sabe que todas adoramos Jesus Cristo, filho de Deus vivo, com quem nos desposamos pelo Baptismo; e que todas estamos resolvidas e prontas a dar o sangue das próprias veias pela confissão do seu santo nome, ainda à custa dos maiores tormentos. Contou-lhe em seguida as circunstâncias do seu nascimento, e o modo por que escaparam à morte, a que a mãe as condenara. Fê-lo ciente da sua criação, dos seus propósitos e da resolução em que todas perseveravam firmes, e concluiu dizendo: Aqui estamos na tua presença; dispõe de nós como melhor te parecer. E tanto ela como as irmãs ficaram com uma aprazível e celeste serenidade. Não há termos com que se possa explicar a impressão que esta notícia produziu no coração do Régulo Bracarense. Recorda-se de algumas coisas passadas, que o movem a acreditar o que ouvira... Atílio muda de cor por diferentes vezes... Não pode encobrir a inquietação que sente dentro do peito... Suspende logo o acto judicial, e manda retirar os ministros, ficando só com as meninas e com Cita, que as acompanhava. Tira-lhes dos pulsos as algemas e conduzindo-as ao interior do palácio, chama Cálcia, sua mulher, e conta-lhe tudo o que ouvira a Genebra. Cálcia fica cheia de confusão e de medo, e ainda mais, quando ouve da boca de Cita, o modo como conservara a vida do corpo, e dera vida às almas daquelas inocentes... Cálcia não se atreve a negar, antes confessa tudo como tinha sucedido. Logo que foram reconhecidas por filhas, tanto o pai como a mãe, soltaram as rédeas aos afectos naturais... Abraçam, uma por uma, as ternas meninas, cobrem-nas de beijos, empregam toda a autoridade e arte para as persuadir que, abjurando o Cristianismo, adorassem os ídolos... Ponderou-lhes a alta qualidade dos seus ascendentes, a abundância das riquezas, o amor e desvelo com que procurariam, para cada uma dignos esposos, com quem pudessem gozar, contentes, das prosperidades e bens do mundo. Porém as nove meninas, com uma firmeza e constância inabalável, desprezaram todas as promessas, e permaneceram firmes na sua resolução. Vendo o Régulo frustrados todos os esforços que o amor de pai e a fé de idólatra lhe subministraram a fim de apartar as filhas da religião cristã, que tinham bebido com o leite, encheu-se de indignação, e parecendo-lhe que acabariam com ameaças, o que não podiam as carícias paternais, começou a prometer martírios, jurando pelos seus deuses que lhes tiraria a vida, à força dos tormentos mais esquisitos, se desprezassem as suas determinações, e se não se resolvessem de pronto a oferecer sacrifícios aos deuses do império. Serenou Cálcia estas furiosas iras de Atílio, e conseguiu dele, a poder de rogos, que se lhes desse algum tempo para considerarem aquilo que deviam escolher, esperando que, como meninas, tomariam outra resolução, depois de serem reconhecidas por suas filhas, e destinadas para esposas dalguns mancebos nobres, formosos e ricos; e de comum acordo as deixaram sós encerradas num dos salões do seu palácio. Depois que seus pais se retiraram, as nove meninas, prostradas ante a presença do Altíssimo, lhe suplicaram com toda a candura de suas almas angélicas, que lhes inspirasse o modo como haviam de dirigir os seus passos no caminho da vida, e lhes desse constância e fortaleza, para nunca anuírem a tão detestáveis proposições; nem temerem a morte, que por instantes as esperava. As suas preces foram prontamente ouvidas e as fervorosas suplicas favoravelmente despachadas. Lá por entre a escuridão da noite uma brilhante claridade vem iluminar aquela prisão; desce um anjo do Senhor, que vem confortar as suas fieis esposas naquela tribulação, e, depois de lhes fazer conhecer o perigo, em que estão, de apóstatas da religião santa, lhes intima da parte de Deus a ordem de fugirem, quanto antes, daquela casa, e de seguir cada uma a direcção que o Senhor lhes inspirar. O mesmo anjo, que lhes intimou a ordem do céu, lhes facilitou a saída do palácio, sem que alguém desse conta da ausência delas. Caminharam todas juntas por algum tempo, por entre as trevas e silêncio da noite, até que assentaram entre si apartarem-se umas das outras, e antes de darem mutuamente o abraço da despedida, santa Liberata, levantando as mãos e os olhos ao céu, proferiu a seguinte súplica:

Senhor meu Jesus Cristo, que permitistes, nascêssemos todas num dia, e, livrando-nos do trânsito da morte, nos destes nova vida da graça, pedimo-vos, Senhor, pela vossa divina misericórdia, e pelo eterno e incomparável amor com que nos amastes, sejais, meu Deus servido, levar-nos todas ao descanso eterno, e não consintais, meu bom Jesus, que se apartem do caminho da glória aquelas que tão unidas foram enquanto viveram na terra.

Todas com o mesmo espírito e com a mesma fé responderam: Amen. Deram os últimos abraços umas às outras, em sinal de recíproco amor, e como quem se despedia para se não tornar a ver na vida mortal, se despediram as angélicas meninas, dirigindo-se cada uma para onde o divino Esposo as encaminhou, e apesar dos esforços empregados pelo pai e pelos domésticos e vizinhos, que foram logo à procura delas, apenas puderam apanhar santa Quitéria, com algumas pessoas que a acompanhavam, todas as mais conseguiram evadir-se para diferentes terras.

Santa Marinha foi encaminhada pelo divino Espírito para a Galiza. Ai, depois de ter servido a uma lavradeira perto da cidade de Orense, foi depois perseguida por ser cristã. Primeiramente a açoitaram até lhe dilacerarem as carnes Em seguida foi descarnada com pentes de ferro. Depois encarcerada numa escura masmorra, sendo aí visitada e curada por um anjo. Queimaram-lhe depois as costas e os peitos com ferros em brasa, e prendendo-a de pés e mãos a lançaram num tanque de água donde saindo milagrosamente livre foi metida em uma fornalha embravecida com chamas, as quais, separando-se para os lados, nem sequer a tocaram levemente. Foi por isso degolada em Águas Santas, perto da cidade de Orense, na Galiza, onde El-rei D. Afonso o Magno, mandou edificar numa igreja dedicada ao seu culto."

 (1)Padre Croiset, SJ . Ano Cristão. Traduzido do Francês e adaptado às últimas reformas litúrgicas pelo Padre Matos Soares. Vol VII. Tipografia Porto Médico. 1923. pp 250-254.