quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

IGREJA MATRIZ DA PARÓQUIA DE SANTA MARINHA DE CORTEGAÇA


A edificação da actual igreja de Santa Marinha, matriz de Cortegaça, que veio substituir uma outra de época anterior, foi iniciada em 1910 e concluída em 1918 sob projecto de Manuel Soares de Almeida (Cf. Processo de Classificação, IPPAR/DRC). Trata-se de um imponente templo, com fachada principal flanqueada por torres rematadas por coruchéus. O pano central é marcado pela abertura do portal de verga recta, que se liga ao janelão superior, com balaustrada e frontão triangular, terminando num amplo frontão coroado por três esculturas - Santa Marinha, a quem o templo é dedicado, encontra-se ao centro, com S. Miguel à direita e S. Martinho à esquerda. Todo este alçado foi revestido por azulejos azuis e brancos, com motivos decorativos e arquitectónicos que equilibram e enquadram os vãos existentes. As representações figurativas são referentes a S. Pedro e a S. Paulo, a S. João Bosco e a S. Francisco de Assis, ao Coração de Jesus e ao Coração de Maria.
No interior, o retábulo-mor exibe um painel com Cristo Ressuscitado, as imagens de Santa Marinha e São Miguel. O tecto da capela-mor apresenta pinturas dos quatro Evangelistas.
A igreja foi depois objecto de outras campanhas, entre as quais se destaca a realização de dois altares e, em 1956, a construção de um novo baptistério onde se inclui um painel de azulejo com a figuração do Baptismo de Cristo. Sensivelmente na mesma época foram aplicados dois painéis de azulejo na capela-mor.
O revestimento azulejar do exterior da igreja matriz de Cortegaça inscreve este templo na tendência que, desde o século XIX, se manifestou de forma particular na região de Ovar, onde boa parte das fachadas dos imóveis foram revestidas por azulejos.
A presente classificação inclui ainda os jazigos do Cemitério Velho, situado ao lado da igreja. Executados entre o final do século XIX e o início da centúria seguinte, caracterizam-se pela utilização de um vocabulário revivalista, destacando-se pelo trabalho escultórico das suas cantarias, pelos gradeamentos em ferro forjado e, também, pelo recurso ao revestimento azulejar, configurando um conjunto de grande homogeneidade.
(RC)

As Palmeiras da Igreja centenária de Cortegaça, fieis guardiãs, igualmente centenárias.


Igreja Matriz Celebra em 2010 o centenário da sua edificação

Admiráveis Palmeiras.
Eis um caso espantoso – poderemos dizer único –, que não tem sido devidamente sublinhado pelos jornalistas e repórteres fotográficos. Falo das duas magníficas árvores que ladeiam a Igreja de Cortegaça.
Para além da harmonia e beleza do templo, quem não admirará a esbelteza das palmeiras gémeas que, quais “sentinelas vigilantes da casa do Senhor”, ali permanecem firmes e leais, enfrentando, desde há quase um século, as intempéries e o desgaste do tempo?
E a sua perfeita simetria, sem que na sua génese tenha havido, da parte do homem, outra qualquer interferência que não fosse escolhê-las – tão iguais, tenras e imprevisíveis… –, adquiri-las e plantá-las.
Admirável coincidência: ao longo de 90 anos de crescimento harmonioso – sempre iguais até na luta pela sobrevivência –, o mesmo húmus e a mesma seiva as alimentou, a mesma cosméstica lhes emprestou a elegância e o porte altivo, o mesmo esteticista as manteve firmes e sem rugas…
Que se mantenham por muitos anos, sempre fieis e vigilantes, estas magníficas palmeiras, humildes guardiãs da Igreja Matriz de Cortegaça.

TEXTO: Manuel Pires Bastos

Artigo publicado no quinzenário ovarense
JOÃO SEMANA (15 de Agosto de 2007)

HISTÓRIA DE CORTEGAÇA

Origem do Nome

Várias são as interpretações acerca da origem do nome de "Cortegaça". De acordo com A. Cortesão, deriva do baixo latim "Cortegacia", de corticatia, relacionado com cortex (cortiça), parecendo demonstrar que, na opinião de J. Piel, durante o repovoamneto das Terras de Santa Maria, os colonos que se fixaram nesta região de Entre Douro e Vouga lhe puseram este nome pela quantidade de soutos, sobreiros e carvalheiras que então nela abundariam.
Para A.Almeida Fernandes, "Cortegaça" deriva de cohorte, coorte, corte, no sentido de redil, curral, arribana, onde se guardava o gado lanígero ou caprino. Juntando a "corte" com os sufixos ega+aça, teríamos a palavra "Cortegaça".

DO SÉCULO X AO SÉCULO XV

As origens de Cortegaça remontam à época da Reconquista Cristã dos séculos IX e X. A agora vila fazia parte da Diocese do Porto e da Terra de Santa Maria, vulgarmente chamada de Feira.

Primeiro documento
O mais antigo documento que fala de uma "villa de cortegaça" data erradamente de 773 (o ano correcto é 973, porque do "Livro Preto" houve uma sigla que o copista não entendeu, daí o erro!), e refere uma doação de bens à Igreja de São João Baptista, junto de Souto Redondo, no território portucalense. Tudo isto está descrito no livro Portugaliae Monumenta Historica no "Diplomata et Chartae".
No entanto, a "Villa de Corthegada" expressa na doação de 922 diz respeito a um lugar situado na freguesia de Olival, concelho de Vila Nova de Gaia, como demonstrou o Pe. Miguel de Oliveira, no seu pequeno estudo "Cortegaça e a Ribeirinha".

Padroeiro
Quanto ao padroeiro de Cortegaça, o Censual da Sé do Porto (provavelmente de 1174/1185) refere a "Ecclesia Sanctae Marinae de Cortegaça", ou seja, a Igreja de Santa Marinha de Cortegaça.
O Mosteiro de Grijó possuía já alguns bens em Cortegaça, mas é sobretudo no séc. XIII que recebe as mais valiosas heranças. A mais célebre doação diz respeito a D. Constança Sanches, filha do Rei D. Sancho I e da "Ribeirinha". Assim, num documento datado de Abril de 1263, esta Infanta deixa vários legados ao Mosteiro de Grijó, referindo que "igualmente dou e concedo ao convento desse Mosteiro, toda a herança de Cortegaça, em Terras de Santa Maria da Diocese do Porto, com os seus termos novos e antigos e com todas as suas pertenças e o meu direito de padroado daquela vila, com as coisas respeitantes à mesma herança e igreja..."
O Mosteiro de Grijó tinha o direito de padroado, ou padróadigo, como se dizia antigamente, da Igreja de Cortegaça, ou seja, competia-lhe apresentar o respectivo abade que o Bispo depois, confirmava ou não. Mas D. Constança Sanches, ao legar os seus bens de padroado da Igreja de Cortegaça, aos frades de Grijó, impôs-lhes as seguintes obrigações:

rezar uma missa de aniversário, cada ano, por sua alma;
rezar uma missa de aniversário, cada ano, por alma de seu irmão, D. Rodrigo Sanches, e ainda manter acesa uma lâmpada diante do altar de S. Maria;
rezar uma missa de aniversário, cada ano, por alma de D. Martins Afonso de Sousa, que havia igualmente legado uma herdade que passava em Cortegaça.

Continuação da História de Cortegaça

A Honra de Cortegaça
As "honras" eram terras priveligiadas entre as demais, isentas de impusições ou tributos reais. A instituição das "honras" só poderia fazer-se por carta do Rei, ou padrões ou marcos levantados por sua autoridade. Visto que os nossos primeiros Reis começaram a alienar com frequência, a favor de nobres e mosteiros, muitas terras e rendimentos da coroa, Afonso II, na defesa do património que via diminuído, iniciou o sistema das confirmações e inquirições. As confirmações significavam que quaisquer doacção feita por seus antecessores, deveriam ser aprovadas pelo novo Rei, e as inquisições consistiam em verificar "in locco"quais as terras da coroa que se encontravam na posse indevida do clero e da nobreza. Como se os abusos não cessassem, D. Afonso III mandou que as suas alçadas corressem terras de além e aquém Douro, inquirindo os rendimentos usurpados. Apesar de praticamente todas as freguesias das Terras de Santa Maria constarem destas inquirições, os casais da "honra" de Cortegaça não constavam.
Em 1288 chegaram à Feira os homens D'el Rei D. Dinis, para continuar a defender os direitos da coroa, como consta no documento que dizia o seguinte:
" Pay Peres de Cortegaça, jurado e perguntado se em esta freguesia hà casa de cavaleiro ou de dona que se defenda por honra, disse que hà i uma quinta que foi de Martim Afonso e disse que a viu trazer por honra que não entra i o mordomo, mais disse que entra i o porteiro e penhora pela voz e pela coima e pela loitosa, se i morar herdador, e pelo homezio, mais não entra i o porteiro e mordomo e penhora o porteiro por estas três cousas. E disse que desta honra e desta freguesia leva el-Rei de XVI quinhões um, por razão de D. Afonso Teles.
Perguntando se esta honra foi feita por el-Rei, disse que houviu dizer que a dera rei D. Sancho a D. Maria Pais Ribeiro e disse que ora trazem toda a freguesia por honra. Domingos João, de Cortegaça, Domingos Domingues, de Cortegaça, todos jurados e perguntados disseram em tudo como Pay Peres, suso dito".
Martim Afonso e outros descendentes da "Ribeirinha", a quem havia sido doada Cortegaça, apesar de terem sido doados ao Mosteiro de Grijó as suas propriedades e direitos, pouco ou nenhum caso fizeram da sentença, pois na honra de Cortegaça eles continuavam a não deixar entrar o porteiro. Apenas em 1301, quando João César, vassalo d'el Rei, apareceu no julgado da Feira com um documento em que constava que "Achei em esse rol, na freguesia de Cortegaça, que por juizo mandaram que entrasse o porteiro na quinta que foi de Dom Martim Afonsoe em toda a honra que traz em essa quinta, por todos os direitos de el-Rei e ora não o deixam entrar, por que eu mando que entre I o porteiro del-Rei e venha, por dano, o juiz da Feira fazer justiça", é de crer que deixassem entrar o porteiro para arrecadar os direitos reais e que o juiz da Feira pudesse, no crime, cumprir a sua missão.
As Inquirições de D. Dinis, de 1288, também revelaram que a agora Barrinha de Esmoriz, pertencia na altura a Cortegaça, como o parece confirmar a seguinte inquirição "...e disseram, pelo juramento que fizeram, que, em um lugar que é dele da freguesia de Esmoriz e dele da freguesia de Cortegaça, contra o mar, há uma lagoa que era devasso e a que vinham os homens del-rei e os outros da terra colher o carocil..."

Carta de D. Afonso IV, a favor dos moradores de Cortegaça
Devido aos pesados impostos, foros, dízimos e outros serviços que recaíam sobre as populações rurais da Idade Média, eram frequentes as queixas a El-Rei, procurando os populares um pouco de protecção e amparo, para fazer face aos abusos e prepotências dos grandes poderosos. Estêvão Peres, abade de Cortegaça desse tempo (1326), conseguiu uma carta do poderoso Afonso IV, proibindo que cavaleiros, donas e escudeiros “filhassem ali serviços e comedorias…”. Na posse da carta de D. Afonso IV, o abade de Cortegaça apresentou-se ao juiz da Feira, Martim Domingues, o qual, como era da sua obrigação, a mandou ler pelo notário do julgado das Terras de Santa Maria. Depois de lida e mostrada a carta, o juiz declarou que cumpriria em tudo conforme a vontade de El-Rei, prometendo ainda que “lhe não deixaria fazer mal nem força e que fazendo-lha alguém que lha alçaria ou faria alçar, como o dito Senhor Rei mandava na dita carta, a qualquer meirinho que andasse na Terra”.
O abade solicitou uma certidão comprovativa deste auto de notícia, a qual lhe foi passada na Feira, a 2 de Janeiro de 1327.
O Couto de Cortegaça
As modificações politico-sociais do séc. XV, transformaram as honras em coutos, e Cortegaça conservou esse privilégio quase até finais do séc. XIX. O couto era uma terra demarcada por autoridade real, privilegiada, que não pagava impostos, onde era defeso entrar e onde se refugiavam alguns homiziados e, por vezes, até malfeitores, facto que prejudicava a justiça, pelo que muitas vezes também, os coutos foram devassados.
Desde o foral velho, com nova leitura, feita em 2 de Junho de 1514, no reinado de D. Manuel I, várias são as referências ao “Couto de Cortegaça”

CORTEGAÇA DO SÉCULO XVI AO SÉCULO XIX

O foral de Cortegaça
“Forais” são documentos em que se encontram expressos os direitos, as obrigações, os impostos, as isenções e regalias duma terra.
Devido aos forais velhos (escritos em latim ou linhagem antiga) serem dificilmente compreendidos, o Rei D. Manuel I, com o propósito de “remediar” essas questões, depois de mandar rebuscar os arquivos e de ouvir os concelhos e seus representantes, decidiu passar novas cartas, ou seja, fazer de novo os forais das cidades, vilas e lugares de seus reinos.
Cortegaça, honra a partir de D. Sancho I e couto seguidamente, tinha conseguido bastantes isenções e regalias, e tudo isso não foi esquecido quando D. Manuel I encarregou Fernão de Pina de reformar todos os forais. As informações referentes ao couto de Cortegaça foram prestadas pelo mordomo de então, Álvaro Fernandes, e ficou resolvido “por não se fazerem mais leituras em outro fora” que se aditassem as suas disposições particulares no de Pereira Jusã (Ver história de Válega; outrora um concelho, extinto em 28.12.1853, agora apenas um lugar da Vila de Válega, concelho de Ovar). Reza assim o documento:
“E por quanto o Couto de Cortegaça é anexa desta terra de Pereira Jusã, por não se fazerem mais leituras em outro foral, havermos por bem de pormos as cousas dele neste no qual os direitos pessoais são tais como os atrás conteúdos e os outros foros que mais pagam são os seguintes, convém a saber: tem aí o senhorio certos casais emprazados em vidas pelos preços e foros em seus títulos declarados, segundo os pagarão adiante sem outra inovação.
E pagarão mais ao senhorio estes sobreditos seus casais e outros que aí há de Grijó e uma cobrada de Cucujães, todos juntamente, por repartição entre eles feita, setenta e três alqueires de trigo, dos quais levará o senhorio vinte e quatro e Grijó outros vinte e quatro, a condessa pela quinta de Vila Chã doze e Joana Mendes da Feira, de Montados, cinco e o juiz e o porteiro outros cinco e o focinho de cabrito um e meio e o Lorvão um e meio e assim paga cada casal povoado dez reis”.
O foral refere ainda a “pena de armas” (ou de sangue), multa aplicada a quem matasse ou ferisse uma pessoa, e custava, nesse tempo, 120 reais, pertencendo ao Rei cobrar essa importância, e ao juiz, as armas, se as tomasse em flagrante delito.

Teotónio da Silva, abade de Cortegaça e um litígio sob os Filipes
O Mosteiro de Grijó continuava a exercer o seu direito de padroado, e quando precisava, escolhia o nome ou nomes dos que pretendiam apresentar à confirmação para abades de Cortegaça. A 18 de Março de 1567, depois de ter prestado provas e de Gaspar Fernandes, o primeiro candidato, não ter sido admitido, Teotónio da Silva, natural de Coimbra, requereu que fosse dada execução ao despacho episcopal (que a 13 de Março, D. Rodrigo Pinheiro havia dado para a sua “colocação” em Cortegaça), comprometendo-se a receber todas as ordens dentro de um ano, a guardar a Fé Católica, a obedecer ao Bispo e à Igreja, a pagar inteiramente todos os direitos a que estava obrigado como abade, a receber, de boa mente, os procuradores encarregados das rendas e foros, a comparecer nos sínodos, a residir em Cortegaça…
No entanto, nem sempre os abades que o Mosteiro de Grijó apresentava para a Igreja de Cortegaça mereciam a confiança que os frades neles depositavam. E por vezes, surgiam questões que os tribunais eclesiásticos e seculares tinham de dirimir, como em 1600, em que o Rev. Pe. Manuel Alves foi acusado de não querer pagar a colheita de 1592. O Tribunal mandou, sob pena de excomunhão, notificar o réu, para liquidar não só as colheitas em atraso, mas ainda as custas do processo.
O mais “mediático” caso foi o que ocorreu em 1629, em pleno reinado de Dom Filipe. O processo ocorreu no Tribunal da Relação, no Porto, e opunha o Ver. Prior e Religiosos de Grijó contra o lic. Pantaleão da Costa, acusado de se recusar a pagar as colheitas aquele Mosteiro. Tentando Pantaleão da Costa transferir as competências do julgamento para o Vigário da Diocese, e tendo depois ainda recorrido do despacho que não lhe deu razão, acabou por pagar caro a teimosia, pois este Abade viu-se na necessidade de entregar à justiça, para garantia de liquidação das custas do processo, um gomil de prata lavrada, para além de se ver ainda obrigado a entregar à penhora um pinhal que tinha no rio de Mourão e, por fim, lá foi a Grijó pagar 3.500 réis.
Ainda mais tarde, um outro Pantaleão, mas desta vez Fernandes, de Aveiro, foi obrigado pelos tribunais a restituir aos abades de Grijó, os bens que adquiria em Cortegaça, sem prévia autorização do Mosteiro, que eram propriedades do casal de António Anes.

Cortegaça na casa do Infantado
Aquando da morte de D. Fernando Forjaz Pereira (1700), os bens da Casa do Condado da Feira foram integrados, por D. Pedro II, na Casa do Infantado. Isto levou a que muitos casais do Couto de Cortegaça deixassem de pagar as suas rendas. Mas esta situação veio a terminar, pois em 30 de Setembro de 1755, o Procurador do Condado requereu que se averiguassem quais os casais de Cortegaça que deviam foros e rendas que não pagavam à 40/45 anos. Este atraso ou esquecimento ter-se-á devido à má vontade de D. João V contra o seu irmão, o infante D. Francisco, então na posse e usufruto dos bens da Casa da Feira.
Descobriu-se que o livro onde constavam os prazos e rendas que os caseiros de Cortegaça teriam que levar à casa da Feira havia desaparecido e se tais rendas não se pagavam à mais de 40 anos era porque os cortegacenses dizerem que os rendeiros exigiam mais do que o que deviam, por direitas contas. O juiz do Tombo dos bens e rendas pertencentes ao Estado e Casa da Feira, Dr. Domingos dos Santos Ramalho, deslocou-se ao Couto de Cortegaça em 30 de Maio de 1756 e, na residência do Abade do mesmo Couto, Rev.. João de Brito Cardoso, na presença de mais alguns cortegacenses, nomearam Manuel Francisco da Cruz, do lugar da Cruz, para medir e lançar a renda que cada casal merecesse pagar à Casa da Feira.
Durante algum tempo foram medidos os casais, terras, maninhos, moinhos e cortinhas do Couto de Cortegaça e foram lançadas novas rendas, como era desejo dos fregueses. Destas medições, confrontações, arrendatários e respectivos foros, existe um grosso in-folio na Torre do Tombo e outro nos arquivos da Vila da Feira.

Após o terramoto de 1755
Por ordem do Bispo do Porto, D. Frei António de Távora, procedeu-se a uma Inquisição Paroquial em Cortegaça. Da resposta do Abade de Cortegaça, em 1 de Abril de 1758, extraem-se os seguintes apontamentos:
Cortegaça pertencia, nessa altura, à Província da Beira-Baixa, ao Bispado do Porto, à Comarca de Esgueira e ao Termo da Feira. Ficava nas terras do Condado desta Vila (então Casa do Infantado). Estava (e continua actualmente a estar) contígua com as freguesias de Esmoriz, Maceda e Rio Meão. O Couto de Cortegaça delimitava a poente com suas ribeiras que as areias do mar tornavam, a pouco e pouco, incultas.
A Paróquia tinha 177 vizinhos, que perfaziam 632 pessoas e constava de nove aldeias-Monte, Mourão, Pedreira, Rio, Cancela, Covelo, Gavinho, Cortegacinhas e Igreja.
Cortegaça tinha juiz ordinário que servia de juiz dos órfãos, almotacé e vereador, e havia audiência para primeira admissão dos litígios. O juiz de Cortegaça tinha um procurador do povo que era da terça de Sua Magestade, estando sujeito ao ouvidor da Feira. Não havia correio, por isso o povo de então tinha de recorrer aos serviços postais da Vila da Feira, que distavam a 5 kms de distância.
Nas contas do Abade, quatro léguas separavam Cortegaça do Porto e quarenta e oito léguas de Lisboa, prestando ainda o Abade curiosas informações sobre rios, açudes, fontes, moinhos, pontes e produções de terra e que ainda hoje são conhecidos com o nome desse tempo, como por exemplo o Rio “das Cabras”, o Rio “da Igreja”, o Rio “das Ponte”, a “Fonte Fria”, merecendo-lhe esta particular atenção, pois na sua opinião as suas águas eram “salutíferas”.
Quanto à pesca, refere que os “habitadores” de Cortegaça lançavam as suas redes no Verão, quando o mar o permitia, mas que ao contrário de outros tempos, quase sempre o seu trabalho saía frustrado, pelas diminutas colheitas. As produções eram essencialmente de milho grande ou milhão, cuja cultura não satisfazia as necessidades dos habitantes de Cortegaça, tendo que o comprar fora. Em pequena escala semeava-se ainda trigo, centeio, cevada e aveia. Alguma fruta: peras, ameixas, peros pipos. Vinho, pouco e de qualidade “virídica”. O gado comprava-se noutras terras e a caça que aparecia resumia-se a coelhos, lebres, perdizes e, no tempo, as rolas.
Segundo o referido Padre João de Brito Cardoso, quem olhasse de Cortegaça para nascente, devisava o Castelo da Feira.

SÉCULO XIX
Foi em 5 de Julho de 1826 que foi criado um lugar e dado o termo de ajuramento e posse ao primeiro professor régio de primeiras letras do couto de Cortegaça, de seu nome António Joaquim Marques de Castro. O ensino que hoje se chama primário era ministrado antigamente por “mestres de ler”, e o seu aprendizado fazia-se nos conventos, nas Igrejas Paroquiais, nos recolhimentos, na corte, nas casas nobres e burguesas, etc. Apesar das diversas tentativas de implementação de várias reformas para tentar alargar o ensino a todos, a verdade é que em 1910 se apurou haverem 76,1 % de analfabetos. Contudo, por se reconhecer ao Couto de Cortegaça uma certa projecção (já que o abade da altura, D. José Maria Salgado de Noronha e Pina, era cónego regular da Sé do Porto) não houve pejo em se criar um lugar para professor de primeiras letras.

O Real da água era um imposto sobre a carne, o peixe e o vinho, a que se lançava mão sempre que necessário para aumentar os dinheiros do erário, quer municipais, quer do Rei. Este imposto serviu, inicialmente, para a construção de obras de condutas de água às cidades (daí o seu nome), chafarizes e abastecimento de água. Competia às Câmaras (e por isso à do Couto de Cortegaça também) o encargo da cobrança e da administração, mas o produto desse imposto revertia, em parte, para a coroa. A história deste imposto vai desde o reinado de D. João I até à República que o aboliu. Através do “Livro de manifestações do Real de Água, ficou-se a saber quem eram os taberneiros e marchantes do Couto de Cortegaça, quantidades de vinho e de carne consumidas, bem como do rendimento do respectivo “Real da água”.

A efémera Câmara Municipal de Cortegaça teve o seu auto de nomeação e de posse da sua comissão em 13 de Maio de 1834, tendo-se deslocado a Cortegaça o sub-Prefeito interino da Feira, Manuel José da Costa e Sousa, para empossar a Comissão Municipal do Couto de Cortegaça, que ficou assim constituída:
Presidente – António Joaquim José da Silva, do lugar do Gavinho
Vereador – Manuel Marques de Sá, de Cortegacinhas
Procurador, com voto – Manuel Francisco de Sá, do Monte
Secretário – José Ricardo Correia de Resende
Provedor do Concelho – Joaquim José de Oliveira Cardoso, do Gavinho
Juiz para o Governo Civil – Manuel Rodrigues da Silva, da Pedreira
Curiosamente, apenas um ano depois destas nomeações é que foi publicado o diploma legal da Nova Reforma Administrativa, onde aparece o Concelho de Cortegaça. As sessões da Câmara sucederam-se até 17 de Outubro de 1835, altura em que a Câmara deixou de funcionar, ou em que, pelo menos, deixou de lavrar mais actas. Todavia, apenas pelo Decreto de 6 de Novembro de 1836 é que foi extinto o Concelho de Cortegaça, conjuntamente com mais outros 465 pequenos concelhos que entretanto também se havia criado.

Nos meados do século XIX, Cortegaça não tinha correio (ia buscá-lo à Feira), nem médico, nem cirurgião, nem farmacêutico, nem estabelecimentos fabris, nem feira, nem mercado, nem homens ilustres por feitos de armas, letras, inventos ou descobrimentos notáveis. Não tinha monumentos, nem sequer escolas. A Junta de Freguesia possuía “uma pequena mata”, de pinheiros, para proteger as culturas das areias do mar.

O concelho de Ovar, que esteve dependente durante algum tempo da Comarca de Aveiro, existiu sozinho durante muitos anos, mas aos poucos foi recebendo algumas freguesias, pela seguinte ordem:
1 – Pelo Decreto de 28 de Dezembro de 1852, recebeu as freguesias de Válega e S. Vicente de Pereira;
2 – Pelo Decreto de 31 de Dezembro de 1853, recebeu a freguesia de Arada;
3 – Pela Lei de 21 de Junho de 1879, recebeu as freguesias de Esmoriz, Maceda e Cortegaça;
Estas três últimas freguesias eram bastante cobiçadas por Ovar, mas a sua anexação deu lugar a um longo processo, onde não faltaram intrigas, promessas e representações dos povos interessados.
A Feira não estava interessada em ver fugir estas três freguesias e em 20 de Novembro de 1962 agradeceu publicamente os serviços de uma sua Comissão que havia enviado a Lisboa, para fazer valer os direitos da Feira e pugnar pela conservação destas três freguesias à beira-mar. Mas em finais de 1871 e princípios de 1872, representações de Esmoriz, Cortegaça e Maceda, solicitaram, a quem de direito, a sua anexação a Ovar. Em sessão de 15 de Novembro de 1972, a Câmara da Vila de Ovar, não deixou de verberar a posição assumida pela Feira, e esclareceu que embora deseje o aumento do Concelho, não precisa dessas freguesias para viver. Disse ainda que os argumentos da Feira são apenas argumentos de quem se vê em dificuldades para “impugnar a vontade dos seus administrados que desdenham a sua administração e a quem abandonar”.
Ovar continuava a esforçar-se por aumentar a sua Comarca, já que havia grande desigualdade entre a Comarca de Ovar (com apenas 4 freguesias – Arada, Válega, Ovar e S. Vicente de Pereira - o que correspondiam a 4571 fogos) e a Comarca da Feira (com 37 freguesias, que correspondiam a 9290 fogos) e mesmo em relação à Comarca de Estarreja (com 9 freguesias e 7132 fogos). Por isso, a pretensão de anexar Esmoriz, Cortegaça e Maceda, e ainda o facto de a facilidade de transporte (caminho de ferro e uma estrada que se projectava continuar até Esmoriz) era plena de sentido e validade.
Todas estas diligências levaram a que estas três freguesias fossem anexadas à Comarca (atenção, Comarca, não Concelho!) de Ovar pelo Decreto de 23 de Dezembro de 1875, o que fez com que no dia 6 de Janeiro de 1876, o povo de Ovar e das três freguesias saíssem para a rua, em grandes festejos e celebrações, traduzindo o quanto ansiavam por esta união. Mas não ainda satisfeitos e lutando pela anexação ao Concelho de Ovar, foram enviadas novas “representações” assinadas por representantes das três freguesias, solicitando a tão desejada anexação, o que levou à Câmara da Feira a, tentando impugnar esta pretensão, ordenar um auto de investigação, o que fez com que as três juntas tivessem que se deslocar à Feira para prestar declarações (a de Maceda fê-lo a 19 de Fevereiro, a de Cortegaça a 20 e a de Esmoriz a 23, de 1877). Para além das assinaturas a pedir a anexação, a construção da estrada de Ovar até Esmoriz serviu de base para o processo que serviu de base para o Projecto de Lei n.º 75 B, apresentado à sessão legislativa pelo Ministro de Estado dos Negócios do Reino, contra o qual o projecto a Edilidades e o Administrador da Feira fizeram uma representação à Câmara dos Deputados, em 1879, protestando a anexação de Esmoriz a Ovar.
De nada valeram os protestos da Feira e a Lei que finalmente anexou as freguesias de Esmoriz, Maceda e Cortegaça, foi aprovada em 21 de Junho de 1879, publicada no Diário do Governo de 2 de Julho do mesmo ano.

ALGUMAS CURIOSIDADES (sobre Cortegaça)

- A estrada do mar –
A “praia velha” de Cortegaça estava encostada a Esmoriz, muito a norte, e não tinha caminho próprio que a servisse. Quem precisasse de ir aos palheiros do mar tinha que percorrer a pé as dunas das areias movediças, o que causava grande transtorno. Não demorou a nascer a ideia de se abrir uma estrada do Apeadeiro da C. P. em direcção à costa, em linha recta, local onde se veio a construir depois a “praia nova”, tendo sido presente à Junta em 5 de Dezembro de 1920 um projecto duma estrada para o mar. Feitas as diligências para angariar dinheiro (era necessário vender uma faixa de areias, que o Decreto 15.439 de 5/5/1928 veio a autorizar), a Junta foi angariando dinheiro até que no dia 27 de Outubro de 1929 foi decidido pôr em arrematação no dia 10 de Novembro às 10 horas, o último lanço da estrada do apeadeiro até à praia. Concluída a estrada, começaram a aparecer na “praia nova” as primeiras construções de “pedra e cal” (a primeira apareceu em 1931, pertencente a José Gradim) e os palheiros da “praia velha” começaram a ser mudados para a “praia nova”.

- A electrificação da freguesia e da praia de Cortegaça –
Em 22 de Novembro de 1932, a Câmara de Ovar deliberou electrificar todas as freguesias do concelho, solicitando inclusive ao Governo um empréstimo de 600 contos, uma avultada verba na altura. Feitos os estudos, a Câmara meteu “mãos” à empreitada e levantados os postes, construídas as cabines e esticados os fios, a Junta de Cortegaça, ainda na presidência de Manuel Alves Fardilha, decidiu dar um grande brilhantismo à inauguração, que se deu em 3 de Maio de 1937. Neste dia estiveram presentes, em Cortegaça, as autoridades de maior representação distrital, havendo festa rija e claro está, luz eléctrica nas ruas e nas casas. Curiosa foi a electrificação da “praia nova” de Cortegaça. A primeira tentativa para a iluminar, mas a petróleo, partiu da Comissão do Furadouro, que deliberou em 8 de Setembro de 1935 distribuir pelas praias de Cortegaça (e de Esmoriz), os candeeiros de iluminação pública a petróleo. Estes candeeiros foram entregues em Cortegaça, mas ficaram em mãos de particulares, até que a Junta da Presidência do Prof. João José de Pinho deliberou, em sessão de 19 de Setembro de 1937, dar-lhes aplicação na época balnear de 1938, mandando avisar os “detractores” para os devolver. Mas a verdade é que a ideia não resultou e foi preciso esperar dez anos para que fosse inaugurada a luz eléctrica na praia, pelo então Ministro das Obras Públicas, Eng. José Frederico Ulrich, a 5 de Setembro de 1947.

- A elevação (de novo) de Cortegaça a Vila –
Em 1979, já Cortegaça havia apresentado um Projecto-Lei para elevação da freguesia a Vila, só que na altura não havia lei-quadro que suportasse tais intenções. Mas a ideia não “morreu” e depois de muitas “conversas de bastidores”, foi novamente apresentado à Assembleia da República um Projecto-Lei, pelo deputado do CDS Carlos de Sousa Nunes da Silva. Este projecto foi apresentado juntamente com razões históricas, culturais e sócio-económicas, que o justificavam. Estas razões ficaram exaradas na acta da C. M. Ovar de 29 de Maio de 1985, transcrevendo a seguir a moção apresentada e aprovada por maioria, com uma abstenção:
“Cortegaça constitui, desde há muito tempo, centro convergente da região norte do Concelho de Ovar, não só devido há sua privilegiada situação geográfica e condições naturais, mas também e sobretudo, pelo seu inegável desenvolvimento industrial.
Banhada, a poente pelo Atlântico, estendendo-se, a nascente, até aos limites da Feira, e atravessada a Norte/Sul, pelo caminho de ferro (Porto/Lisboa) e pela Estrada Nacional n.º109, constitui ponto importante de passagem e de influência turística que lhe conferem verdadeiro cunho citadino.
Cortegaça é já uma das freguesias mais extensas (15Km2) e povoadas (cerca de 6.500 habitantes) do Concelho, com um índice de capitação de impostos dos mais elevados (9.000$00), pelo que a existência de grandes áreas disponíveis, próprias para construção e zonas verdes, traduz suporte de um notável surto habitacional que, num futuro mais próximo, lhe darão uma nova fisionomia demográfica.
No campo educativo, Cortegaça possui duas salas de aula do ensino pré-primário e dez a nível primário, estando prevista para breve, a criação de uma escola preparatória.
No aspecto associativo, assistencial e desportivo, existem várias associações, nomeadamente:
- Centro Social Cortegacense, com Lar de Infância e Terceira Idade;
- Centro Infantil;
- Posto de Assistência Médica;
- Farmácia;
- Futebol Clube de Cortegaça;
- Parque de Campismo;
- Sede do Sindicato dos Cordoeiros e Capacheiros.
- CRECOR - Solidariedade Social, Cultura Reccreio e Desporto de Cortegaça
- EPROFCOR - Escola Profissional de Cortegaça
O Parque Industrial, virado em grande parte para a exportação, tem a assinalar a existência de várias unidades de razoável envergadura, de valor económico e social mais que aprovado e onde trabalham alguns milhares de pessoas, muitas das quais oriundas das freguesias e concelhos limítrofes, destacando-se, pela sua importância, as indústrias têxteis, de alcatifas e cordoaria.
Apoiando a população e os vários sectores económicos, dispõe de uma agência bancária, estação dos CTT, transportes públicos colectivos, quer o caminho de ferro (Linha do Norte) quer carreiras rodoviárias para o Porto, Espinho e Ovar, e alguns estabelecimentos de hotelaria.
Por outro lado, não há dúvida de que razões de natureza histórica e cultural sempre justificaram só por si a elevação de Cortegaça à categoria de Vila.
Com efeito, e para além do mais, Cortegaça já constituiu Concelho em 1834, cuja Câmara Municipal foi empossada em 13 de Maio de 1834 e cujas sessões decorreram até 17 de Outubro de 1835.
De qualquer modo, a Freguesia de Cortegaça detém já todos os requisitos prescritos no artº 12º da Lei 11/82 e a sua elevação a Vila corresponde aos legítimos anseios da população.
Nestes termos, a Câmara Municipal de Ovar deliberou dar parecer favorável à elevação da Freguesia de Cortegaça à categoria de Vila.

O Projecto de Lei do Deputado do CDS, Carlos de Sousa Nunes da Silva, foi aprovado por maioria, com abstenção da U.E.D.S. (União de Esquerda Democrática Socialista), em 9 de Julho de 1985, convertida depois na lei 52/85 de Setembro do mesmo ano. As comemorações em Cortegaça decorreram no dia 23 de Novembro do mesmo ano.